domingo, 6 de abril de 2014

Titanfail!



Na minha postagem mais lida atá hoje, eu tinha analisado como a preferência pelo multiplayer estava fazendo os enredos de Call of Duty ficarem cada vez mais preguiçosos (e, consequentemente, reacionários). Terminei aquele texto citando Titanfall como uma possível tendência para as franquias de games que se enfocam no modo multiplayer não ter mais um modo singleplayer para dar foco exclusivo ao multiplayer.

Titanfall é o primeiro grande sucesso da “oitava geração” de games. Para quem não sabe, Titanfall e basicamente um “Call of duty com robôs gigantes”. Esse texto NÃO é uma crítica do jogo porque, apesar de eu não ter um Xbox One, eu apenas avalio os modos single player offline, que é a forma definitiva de jogo (caso não tiver internet ou amigos na hora).

Qualquer mérito ou desmérito no modo online de qualquer jogo é responsabilidade dos servidores, e não da equipe artística ou do autor. Um crítico de games fazer uma crítica de um jogo online é um conceito tão estúpido quanto um crítico de cinema fazer uma crítica do projetor em que o filme está sendo rodado.

Fiquei devendo minha opinião sobre essa tendência, e agora vou escrever o que eu acho dessa ideia:

UMA BESTEIRA!

Quando se faz um jogo online, é preciso ter servidores para que a conexão da exista entre os jogadores. Manter um servidor ativo requer um pouco de esforço e tem as suas despesas. Porém, quando o servidor de um determinado jogo é desligado, seja for falta de jogadores ou por existir um jogo mais atualizado, se torna impossível de se jogar online. E, se o seu jogo for exclusivamente online, ele se torna obsoleto. Ele morre. Ele vira lixo.

Muitas pessoas usam diferentes conceitos para definir a palavra “arte”, porém em todas elas, arte é a única invenção humana que é, de fato, imortal. Podem passar milênios que as obras de arte ainda estarão lá, mesmo quando os próprios artistas estiverem mortos. E é por isso que os membros da Academia Brasileira de Letras são chamados de “imortais”: eles não são imortais, mas inventam obras que são imortais.

E eu, como um defensor da ideia de “videogames como arte” não posso defender uma “arte” que já tem o seu prazo de validade. Quem tem prazo de validade é produto. O que Titanfall está fazendo é retirar a “arte” e vender como mercadoria. E quando essa mercadoria não funcionar, vai ter que jogar no lixo. Imagina só o estrago ambiental que causaria se milhões de discos forem jogados em aterros sanitários? E adicione isso com franquias anuais que já tem o prazo de validade nos títulos (sim, estou falando de FIFA e PES).

Eu sei que os “hardcore gamers” vão falar que, como o futuro vai ser 100% digital, não teríamos mais lixo ambiental para games. Contra esse argumento, dois fatores: isso não exclui o fato de vários funcionários gastarem várias horas desenvolvendo jogos para se tornarem obsoletos em poucos anos e também não exclui o lixo ambiental que existe hoje. Vou deixar de ser um “eco-chato” por um instante.

Lembra quando eu falei no texto de Call of Duty que os modos “single-player” eram basicamente um tutorial do modo online? Então, em quase toda a fase se resume a obedecer o que o NPC (personagem não jogável) de uma maior patente tem a dizer. Isso, além de deixar uma mensagem subliminar de “obedeça a autoridade”, serve como um ensinamento para certas manobras que serão necessárias no modo multiplayer.

Jogar no “single-player” é um treinamento para o multiplayer. Quando você retira esse “single-player”, você não está mais permitindo treinar para o jogo e colocará os novatos de cara com os experientes que ficam dias inteiros jogando e perderá o potencial de novos jogadores. Isso sem contar com as despesas de ter um Xbox One (2400 reais), uma assinatura Xbox live (100 reais anuais) e o jogo em si (250 reais), o que espantaria potenciais consumidores ainda mais.

“Hardcore games” deverão falar agora que os MMORPGs também funcionam apenas online. Porém o motivo de MMORPGs fazerem sucesso não é necessariamente o seu conteúdo, mas os usuários dos conteúdos (ou o conteúdo montado pelos usuários). Pergunte para qualquer um que jogue “Warcraft”, “Diablo” ou “League of Legends” por que eles jogam aquilo e, com quase toda a certeza, a resposta seria “porque os meus amigos também jogam”.

Titanfall não é um MMORPG. É um FPS. Tem uma história. Tem um mundo. Tem NPCs que deixam “extras”. Tem um grande potencial para ter um single-player baseado nisso, ou melhor, tem tudo. Já vi vídeos e não nego que seja divertido. Como um nerd que eu sou, poucas coisas iriam me atrair em um jogo como robôs gigantes (a não ser que tenha algo relacionado com Michael Bay).

E nós já sabemos como são os típicos usuários dos FPS online. Basta se identificar como um não homem-branco-hétero que você será insultado de todas as maneiras possíveis. Misoginia, racismo e homofobia tem de montão em comunidades de FPS, e muito mais do que em outros gêneros de games graças a “cultura das armas” que impera nos EUA. Já vi casos de pessoas cantando o hino do KKK para um negro durante a partida.

Talvez eu esteja sendo um velho ranzinza (com 22 anos), reclamando de funcionalidades online de um game em um mundo onde quase tudo está online e fica cada vez mais difícil de assistir a um filme, viajar de avião ou tomar banho sem estar online. Talvez eu tenha uma nostalgia da época em que ainda se passava filme legendado e os escritores almejavam Shakespeare ao invés da Stephanie Meyer. Talvez...



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2 comentários:

  1. Não joguei o jogo ainda, mas acho que você cometeu uma gafe foda ao considerar "arte" apenas como aquilo que é perene e imortal. Quer dizer, e a arte performática? Claro, o método Abramovic (é o mais famoso e o único que eu posso dizer que conheço o básico) dá uma importância foda à documentação e à rigidez metodológica do processo (o que está no "enunciado" da performance não pode ser alterado durante a execução). Mas a performance, bem como o teatro, existe para além do seu roteiro, do seu memorial. E a questão da experiência e da efemeridade constituem uma parte crucial na obra. Ficar discutindo "o que é arte" é quase sempre fútil, devo dizer, por isso prefiro a definição do Nelson Goodman de que não existe uma natureza do artístico, "arte" é um selo de qualidade e relevância que se dá a algo seja por uma sociedade ou até por um indivíduo (ou seja, "QUANDO é arte". E veja como a questão da temporalidade está no próprio título do artigo).

    Agora, não posso deixar de concordar contigo do ponto de vista mercadológico. A precificação da propriedade intelectual é uma coisa complicada de engolir por si só, que dizer pagar por algo que você nem vai ter. Você basicamente está comprando o direito de jogar o jogo quando e enquanto ele estiver disponível, ou seja, você não "tem" aquilo. Curiosamente, por conta da nuvem e dos servidores e tal, o custo de manutenção é alto e esses serviços online acabam sendo mais caros do que um software do qual você pode ser dono. Meio foda isso, difícil de engolir, especialmente levando em conta a sociedade em que nós vivemos.

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    1. Antônio,

      Nas épocas em que os primeiros empregos da humanidade foram surgidos, "arte" era sinônimo de "habilidade" e "artista" significava "homem com emprego". O que Goodman definiu como arte surgiu na época do Renascença, onde a elite local começou a utilizar "arte" com o intuito estético ao invés de utilitário. Assim, "artistas" que pintam e faziam esculturas puderam lucrar com os seus trabalhos e serem celebridades locais. E esse é o motivo de "obra de arte" ser considerado como sinônimo de "bom" até hoje. A definição que eu prefiro usar para a palavra "arte" é: toda obra criativa que expresse emoções e idéias capaz de provocar uma reação apreciativa (ou depreciativa).

      Sobre o segundo parágrafo: concordo totalmente.

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