segunda-feira, 19 de maio de 2014

O que é ter um bom level design?

Muita gente tem a noção equivocada de que “crítica” seja sinônimo de “falar mal”, onde na verdade significa “arte ou faculdade de avaliar ou julgar os méritos das obras artísticas baseadas em critérios”. Nesse post, eu vou descrever os meus critérios de avaliação do design de fases dos games que eu faço a crítica. Então, vamos lá:

1- TER UMA REFERÊNCIA IDENTIFICÁVEL

Para começar, é preciso saber identificar o personagem jogável na tela. Sem essa referência, se torna impossível de jogar. Cada gênero tem uma maneira distinta: nos side-scrollers (os jogos plataforma 2D) eles geralmente estão no canto esquerdo, já que o objetivo é ir para a direita; nos de plataforma 3D o personagem está no canto inferior central da tela, te permitindo observar o que está a frente do personagem e um pouco do que está atrás dele; FPS e corrida seguem a mesma lógica, só que com uma arma ou o carro no lugar.

Não é obrigatório ter apenas uma referência jogável e identificável, já que em games de estratégia e de esportes você tem vários elementos que podem ser manipuláveis e/ou jogar com uma peça de cada vez como se fosse um game plataforma.

Você deve pensar que é impossível errar esse ponto, mas incrivelmente temos Skyrim, Dishonored e Mirror's Edge que são exemplos de como não acertar esse critério inicial. Você não tem uma referência jogável, portanto você tem que deduzir que o personagem está logo atrás da câmera para fazer algum sentido. A lógica da “sensação realística” é falsa porque sua visão é limitada a sua tela, o som é limitado pelo áudio da TV ou PC e o seu tato está reduzido ao vibrador do controle, além da inexistência do olfato e paladar.



Ok, beleza. Eu tenho que pular para o outro prédio, mas cadê o meu pé?

2- SEM POLUIÇÃO VISUAL

Outro fator muito importante para avaliar a fase é a capacidade de enxergar a fase em questão. Seja um tutorial com textos extensos (ou vários textos) ou cenas de ação que entopem a tela, é essencial poder enxergar direito para poder saber qual o movimento adequado a dar para o personagem em questão.



Consegue ver alguma coisa?

Outro tipo de poluição visual muito importante é o uso adequado das cores. Usar cores muito claras ou muito fortes podem ser prejudiciais a quem tem um problema de visão, principalmente se colocados em ritmo cintilante.



Meus olhos! MEUS OLHOS!

3- USAR AS CORES ADEQUADAS

Eu acabei de falar sobre os problemas de usar as cores claras em excesso, mas você pode usar também como um recurso favorável a jogabilidade, como destacar uma região para o personagem ir ou como método de avaliação do desempenho do personagem. Cores podem ser usadas para diferenciar objetos manipuláveis ou até itens, como no caso dos RPGs.

Variação e um bom equilíbrio de cores é a fórmula para uma fase bem montada. Um péssimo exemplo é transformar todo a fase em um marrom-acinzentado, assim como quase todos os FPS fazem hoje em dia. Nem me venham falar que o marrom é “realista”; diga isso para uma tangerina!



Alguém soltou uma diarréia na tela! Só pode ser!

4- A MÚSICA ESTAR DE ACORDO COM A FASE

Eu vou dedicar um futuro post para isso, mas eu posso adiantar que a música tem que ser adequada para cada ambiente em que a fase está situada e/ou momento da história. Música calma e relaxante em uma fase de bosque (ou em fases iniciais), um rock em batalhas frenéticas, música eletrônica em fases futurísticas e música clássica quando alguma coisa importante está acontecendo ou estar prestes a acontecer. Eu tenho uma pequena preferência em death metal para lutas com o “chefão final” porque não tem opção melhor de música para uma batalha épica do que uma música sobre batalhas épicas.

5- A FASE ESTAR COMPATÍVEL COM OS PODERES DO PROTAGONISTA

Na grande maioria dos games, o protagonista tem a habilidade de pular alto. O motivo disso é a influência da franquia “Mario” nos games e prova que ainda é a franquia mais influente dos games, além do “aperte A para pular”. Para testar a habilidade em questão, é preciso colocar plataformas em uma razoável distância, por isso o gênero se chama “plataforma”.



Outros gêneros também usam esse recurso. Locais em que só podem ser alcançados se utilizar um determinado item ou arma do inventário é a prática mais comum entre os games. O “realismo” acaba completamente com isso porque, tentando simular o mundo real, esquece do personagem e da jogabilidade.

Uma boa fase tem que dizer ao jogador o que tem que fazer, mas não pode dizer como o jogador tem que fazer. Mostrar ao jogador como se faz, além de soar como um tutorial sem fim, trata o jogador como um cachorro domesticado. Estou me referindo especificamente aos “Quick time events”, uma moda irritante nos games de hoje em dia.

6- TER UM TEMPO ADEQUADO

A fase em questão não pode ser muito curta (o que pode comprometer o engajamento do jogador com o game em questão) e nem pode ser muito longa (o que pode matar o jogador de tédio). Não existe um número exato: para mim, um “plataforma” geralmente deveria ter entre 3 e 10 minutos, 15 no máximo. Jogos episódicos que investem em narrativa podem se dar o luxo de ter uma hora por fase (ou episódio), já que simularia um seriado.

Um outro fator muito importante é tentar com que a moda, a média e a mediana sejam os mais próximos possíveis. E também a diferença de tempo de conclusão entre a fase mais curta e a mais longa não pode ser muito grande. O jogador tem que se acostumar a jogar a fase.

Obs: Moda é número que mais se repete em uma sequência. Média é um número que se obtém somando todos os números da sequência e dividindo pela quantidade de números. Mediana é o número da sequência que está no meio em questão de valor numérico.

7- A CÂMERA ESTAR COMPATÍVEL COM A MECÂNICA

Se o game é um shooter, faz sentido colocar a câmera bem atrás do personagem, já que shooters se resumem, basicamente, em testar a acurácia do jogador; portanto não interessa o que estiver atrás do personagem e, se for interessante, a câmera tem que virar automaticamente para o jogador focar na acurácia, e não manualmente. Pior que isso é inserir setores de plataforma. Porque fazer isso se é impossível enxergar onde o personagem está pisando e, principalmente, mudar o foco do jogo. Coloca para o personagem saltar automaticamente quando está diante de um local de salto: nem todo mundo precisa ser Mario.

Se o game é de estratégia, ele tem que mostrar todo o tabuleiro e atalhos do inventário e, mesmo assim, fazer os itens importantes serem bem visíveis para os jogadores. Em um “hack & slash”, é mandatório a câmera se posicionar acima do personagem e em um ângulo que permita enxergar a sala inteira onde o personagem está, já que ele pode ser golpeado em qualquer direção.



Que espada impressionante você tem aí. Seria uma pena se alguém te golpeasse por trás.

BÔNUS: USE A FASE PARA CONTAR A HISTÓRIA

Esse requisito é meramente opcional. Não existe uma “maneira correta” de contar uma história nos videogames, mas pessoalmente prefiro aqueles que contam durante a fase. Como assim? Vou usar exemplos:

Em Portal 2, nós percebemos que a Aperture, empresa ficcional da história, costumava ser uma grande empresa antigamente e que, com o passar do tempo, ela entrou em ruínas. Essa informação não foi falada pelos personagens: nós vimos a qualidade dos destroços. E, quanto mais a personagem subia, mais recente e menos luxuosos eram os destroços.



Rayman Origins é um game 100% sobre psicologia. Considerando que os sonhos do “Grande Sonhador” moldaram aquele universo (e consequentemente, os pesadelos criaram os inimigos), o seu subconsciente é o Deus daquele lugar. As fases mostram claramente as preferências dele: a fase musical tinham tambores e flautas por preferência musical dele, a fase de comida existia porque ele era guloso. Jogar a fase é estar dentro da psiquê do Grande Sonhador.



Quando um game passa por todos esses requisitos, eu escrevo que o tal game tem um bom design de fases.



P.S: Eu criei uma página do Nerd Erudito no Facebook! Se vocês gostarem do blog, curtam lá: é uma boa referência para saber a popularidade do blog!

5 comentários:

  1. Uma coisa que os jogos não devem fazer é deixar o jogador enjoado, e digo isso de forma literal. Quando eu jogo Bioshock Infinite no PC eu me sinto enjoada depois de uma hora ou duas jogando direto, ao contrario de Borderlands 2 ou L4D, que isso não acontece. Pesquisei na net e parece que a mecânica de fazer os movimentos dos passos de Booker causam isso em algumas pessoas, e infelizmente eu sou uma delas. E foi por esse motivo que Bio Infinite caiu no meu conceito (eu joguei pela primeira vez na tv, mas acho que a distancia ajudou a não acontecer isso, mas no pc é impossível eu ficar muito longe da tela)


    É claro, a segunda coisa é se atentar se seu jogo pode formar psicopatas assassinos de pais, alunos ou coisa do tipo, hauhuahuauhaauah.

    -Nyu
    http://jigokku.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isso que você sentiu tem nome: "simulation sickness" induzida por FPS. Não se sabe biologicamente como funciona ainda, mas a noção é a de que o cérebro recebe informações de que você esta andando, mas o sistema vestibular não detecta o movimento. Esse "bug" no sistema nervoso central é que provocaria a náusea. Por isso que eu coloquei "ter uma referência identificável" como o primeiro e mais importante item.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir